segunda-feira, 16 de agosto de 2010

The Raven Song - Prólogo: Ad Perpetuam Rei Memoriam


Sinopse: O medo se propaga como uma doença atualmente. Em um mundo onde a esperança perdeu-se em meio os fumadores de crack e a justiça roda bolsinha como prostituta, dois homens seguem, mas não mantendo-se alheios do lixo como a grande maioria e sim combatendo-o. Quando ambos são postos à prova, o destino começa a traçar seus fios enigmáticos numa tapeçaria sombria e que pode contar histórias que nem sempre possuem finais felizes.

Para todo fim, entretanto, há um começo.

E ele será contado agora.


Prólogo: Ad Perpetuam Rei Memoriam (06/08/10)

(Possui cena de estupro)

Minha vida inteira foi povoada por péssimos exemplos.

O primeiro deles foi o que mais me ensinou sobre o mundo: Minha mãe. Quando eu nasci, ela tentou me matar sufocando-me com meu cordão umbilical. Entendo o lado dela. Sério. Ela tinha acabado de dar à luz a um monstro. O Governo viria atrás dela por minha causa. Então, desesperada, tentou colocar um ponto final antes mesmo que essa história de terror começasse — uma atitude racional, plenamente lúcida e consciente.

Mas ela não conseguiu.

Infelizmente.

Os homens imundos, de olhares malignos saíram de trás de um conjunto de moitas e conseguiram assustar os cavalos que guiavam a carroça o suficiente para que eles caíssem de lado, levando a mesma junto. Os cavalos conseguiram escapar; a família não.

A mulher de traços hispânicos ergueu-se desesperada em busca do filho, seu único filho, seu tesouro precioso. Ele batera com a cabeça no chão e sangrava um pouco, mas nada sério.

Entretanto, aqueles mendigos cuidariam para que a situação não ficasse assim.

Eles pegaram o marido da mulher, um homem magro de cabelos brancos prematuros e começaram a socá-lo no estômago, rindo loucamente, como se sob efeito de algum poderoso gás do riso. Um dos mendigos ergueu a mulher pelos belos cachos negros e ela gritou aterrorizada, largando o filho em estado de choque no chão.

O que a minha mãe me ensinou é de que todo mundo vai te foder se você não se encaixar no modelo do sistema. Se você é pobre vão virar a cara quando você passar. Se você é preto vão te jogar numa cela de cadeia. Se você é judeu vão enchê-lo de porrada até você gritar que Jesus é o misericordioso salvador. Se você não é humano... vão te fuzilar num terreno baldio abandonado, se não te estuprarem antes disso.

Como eu disse, vão foder você se você não for parte do sistema.

Porque é isso que a porra do sistema faz: ela te fode depois de ter feito promessas sobre uma puta chamada liberdade e outra chamada justiça.

Dois mendigos seguravam a mulher no chão enquanto um terceiro abaixava as calças e levantava as saias dela bem ali, na frente do próprio filho, um menino de aproximadamente 6 anos. Os olhos do garoto se arregalaram com o grito de dor da mãe ao ser penetrada, mas ele não podia fazer nada. Ele era pequeno demais, fraco demais. Constantemente vivia doente e seus pais o estavam levando ao médico justamente para tratar daquele problema, pois o dinheiro da venda da colheita havia rendido mais aquele mês... Mas parecia que não haveria mais médico.

Não haveria mais nada de bom para ele.

O pai estava coberto de hematomas e sangue, jogado inconsciente no chão ao lado da pasta em que o menino carregava seus livros da escola e desenhos. Os mendigos que não estupravam sua mãe remexiam ali, rasgando figuras feitas de giz de cera que representavam sois sorridentes, famílias unidas, animais de olhos brilhantes entre outros...

Não sei como sobrevivi. Só sei que vivi nas ruas, sozinho até os doze anos de idade.

Trabalhei com um mágico de rua durante certo tempo, roubando carteiras, joias, relógios e doces dos desavisados que paravam para observar o espetáculo ridículo que ele fazia. No final, cheguei a conclusão de que era bom demais para aquilo. O sujeito era um pateta. Um pedófilo também, mas ele não se atreveria a tocar em um fio de cabelo meu porque sabia que seria a primeira e última vez. Se ele tentasse — e isso deixei bem claro, logo que nos conhecemos e ele percebeu que eu não era humano — eu o puniria da forma mais horrível possível para tipos feito ele, assim jamais poderia meter o pinto em uma criança de novo. O mágico entendeu bem o recado. Nunca tentou.

Largando-o de lado, comecei a praticar pequenos furtos até ir parar em uma casa de correção para meninos. Aprendi a ler, escrever e matar. Matar pra valer. Havia um garoto lá de quem ninguém nunca soube o nome, então apelidaram-no de Canibal. O motivo... Bom, você não vai querer saber — mesmo que diga que sim, seu inconsciente puritano vai estar dizendo, gritando NÃO. Ele me ensinou como rasgar um jugular sem sujar as mangas da camisa. Foi muito útil, posso lhe afirmar...

Sua mãe morrera. O mendigo havia sufocado-a enquanto metia o pau dentro dela. Os outros resmungaram por breves instantes, mas logo formavam fila para violentar o cadáver (“Um por vez, por favor! Esperem a sua vez, por favor...”).

O menino permanecia jogado no chão olhando. De seus olhos negros derramavam-se lágrimas grandes, manchando as bochechas morenas.

O mundo... é cruel.

Um mendigo que havia acabado de violentar o cadáver levantou ainda com o pau duro pra fora da calça e voltou-se para o garotinho.

— Ei, pessoal, olha só o que nós temos aqui! — berrou com uma voz destruída pelo fumo. — Carne nova!

O mundo... vai te foder quando tiver chance.

O garotinho gritou enquanto os homens arrebentavam o cinto de sua calça. Aqueles homens que pareciam animais selvagens, poluídos pela droga do sistema. O que havia acabado de violentar o cadáver da mãe do garoto ia ser o primeiro quando...

A porra do mundo vai te foder... a menos que alguém faça alguma coisa.

Um chute acertou a cara do mendigo em cheio. Seus companheiros o seguraram antes que ele caísse no chão. Diante dele, havia um garoto magro e horrivelmente pálido. Seus cabelos longos caíam até o meio das costas e eram negros como o fim que se encontra para os homens com sífilis. Suas unhas não eram aparadas havia anos e pareciam capazes de cortar placas de metal ao meio sem maiores dificuldades.

Alguém tem que dar a droga do primeiro passo. E às vezes... esse alguém tem que ser você. Porque se você não fizer nada... ninguém vai fazer.

— Guri... a gente vai acabar contigo! — gritou o mendigo que havia tentado violentar o menino de traços hispânicos.

Pode vir... — falou o garoto com uma voz espectral que parecia vir do fundo de sua alma. Os olhos dele eram escondidos pela franja mal cortada que caía-lhe pelo rosto. Havia um lápis preto no 2 preso na sua orelha desprovida de cor.

Enquanto o mendigo corria na sua direção, o garoto tirou lentamente o lápis detrás da orelha e atingiu-o no meio da base de seu pescoço. O homem caiu de joelhos agarrando o buraco que não parava de jorrar sangue, enquanto aquele indivíduo que não aparentava mais de doze anos começava a derrubar, um por um, os mendigos.

No final, todos estavam mortos.

Havia sangue apenas no lápis e na ponta dos dedos ossudos do garoto. Ele olhou para o lápis e jogou-o apaticamente no chão, pegando do bolso da camisa social e surrada que usava, um maço de cigarros. O maço era bonito, vermelho brilhante e com desenhos de raios azuis e dourados. Ele ficou olhando-o durante um longo período antes de tornar a guardá-lo e dirigir-se aonde o menininho encontrava-se debruçado sobre o pai. Para tanto, passou pelo corpo violado da mãe sem lançar-lhe um olhar de esguela sequer.

Desde que eu olhei pra ele, eu soube.

Eu soube que era quem eu procurava durante doze anos de existência sem sentido.

Eu olhei bem no fundo daquele par de olhos que pareciam formar um eclipse negro e morto... E senti.

O pai do menino havia caído de mau jeito no chão. Batera a cabeça com força. O menino pensara que ele estivesse desacordado, mas não estava. Ele estava morto. A parte detrás do crânio havia sido esmagada e agora o sangue manchava os sapatos de couro desgastado do pequeno espanhol.

O garoto pálido e alto, com calças de suspensório que subiam pelo menos quinze centímetros acima de seus tornozelos, parou ao lado dele. Usava um casacão jeans escuro e velho, mas ainda assim muito bom para se aquecer do frio. Não que ele precisasse... Usava-o por motivos puramente estéticos e também para disfarçar o que os outros desconfiavam: Que ele não era humano. Que seus dentes afiados e seu olhar penetrante eram muito mais do que aparentavam.

Eu juro que não fui eu quem o escolhi. Foi ele quem me escolheu. A culpa de tudo o que aconteceu foi dele, não minha. Como eu poderia resistir? Como eu poderia... como eu poderia não querer?

Qual é o seu nome? — inquiriu o garoto estranho.

— Giovanni — respondeu num sussurro delicado o menininho. Passando a mão pelo nariz e pelos olhos para que não houvesse mais lágrimas ali (numa atitude surpreendentemente adulta para uma criança), o garoto ergueu o rosto para aquele rapaz perturbadoramente alto. — E o seu?

Foi ele... Foi apenas... ele.

Quando olhei no fundo dos seus olhos negros, eu soube. Quando ele me falou que seu nome era Giovanni, eu soube. Quando eu o “salvei” aquela noite — acidentalmente, pois pretendia roubar o que os mendigos haviam deixado para trás (mas nunca, jamais, violentar o cadáver da mãe, que isso fique claro!) — e comecei a criá-lo, eu soube. Eu soube que... era ele.

Era ele.

Eu sou Raven. — respondeu friamente com sua voz fantasmagórica e rouca.

E esse é apenas o começo do fim.

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