quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Como Nascem os Sonhos - Primeiro Sonho

Finalmente, depois de muito enrolar...
Sara escreveu alguma coisa! :D

O NEGRO AMOR DE YANG POR YIN

Eu sonhei que estava desaparecido, você estava tão assustado
Mas ninguém iria escutar, pois ninguém mais se importava
Depois do meu sonho eu acordei com esse medo
O que eu estou deixando quando estou acabado aqui?

-

Então, se você me perguntar, eu quero que você saiba...

-

Quando minha hora chegar esqueça os erros que cometi
Ajude-me a deixar pra trás algumas razões que deixem saudades
Não fique ressentido comigo, quando se sentir vazio
Mantenha-me em sua memória, deixe de fora todo o resto
Deixe de fora todo o resto

///

Eu e ele. Ele e eu. Nós.

Meus braços envolviam seu tórax; seus dedos enrolavam mechas do meu cabelo.

Meu queixo na sua orelha; seu rosto no meu peito.

Pele branca na pele escura; cruz suástica e chibatas.

“Seu passado te condena”, alguém diz. Meu passado. Seu passado. Estão ligados não estão? De certa forma.

“Nossa natureza sempre vem à tona. Ela não pode ser negada.”, disse a “bisa” Alice, pobrezinha, ela ficou maluca depois de ter castrado os negros para o HOMEM DO BIGODE. “Bisa” disse que o HOMEM DO BIGODE ia gostar de mim, apesar dos meus olhos escuros. Ela disse que eu era quase todo... todo... como quem é do signo de Áries! Ariano... “Bisa” disse que eu posso ser ariano. Eu posso ser NAZI. Não gosto da forma como ela fala NAZI...

///

A música tocando no rádio era “Leave out all the rest”.

Antes que começássemos a dançar, eu só conseguia pensar em uma técnica para não pisar nos pés dele — eu não podia perder a aposta, ele ia me sacanear a semana inteira. Depois, tudo passou a ser uma questão de eu não esmagá-lo nos meus braços para roubar a essência líquida daquele cheiro bom emanando de sua pele. As pessoas sempre tinham fedido pra mim, mas ele era diferente. Seu perfume me acalmava, me deixava quase grogue se quer saber. Os dedos deslizando por meu cabelo combinados ao calor humano sendo trocado entre nós, tornava tudo melhor, mais fácil.

Para você que lê, essa é uma cena de amor. Para eu que escrevo, essa é uma cena de amor.

Mas o amor, em suas infinitas formas, sons, gostos e cheiros, pode ser tão facilmente mal interpretado...

Caso me perguntasse se eu o amava naquele instante, eu não hesitaria em dizer sim. Sim, eu o amava. Você então me perguntaria o motivo e talvez isso fosse um pouco mais difícil de se explicar.

Naqueles instantes, nos intermináveis três minutos e meio da música, eu o amava mais do que poderia amar a minha vida algum dia. Eu não o amava como homem, não sentia desejo por seu corpo magro e pequeno como um sábia, não havia a menor chance de que meu libido por ele existisse pelo fato dele nunca ter feito, nem remotamente, meu tipo. Mas eu ainda assim o amava. Por isso apertava-o nos meus braços e rezava para ele não descobrir meu plano sobre roubar seu cheiro para mim.

Eu o amava porque ele era um ser humano e me amava. Eu o amava porque, como se não bastasse ele ser humano, fazia com que eu me sentisse humano — ainda que todos aqueles chutes, socos e xingamentos tivessem me feito perder uma coisa que eu jamais recuperaria. Daria minha alma, com todos os meus desejos, minhas esperanças e minhas memórias felizes (todos muito bem guardados) para ele, pois sua presença fazia eu não me sentir o assassino que era.

Todos haviam me abandonado e era meu destino morrer engasgado com minha própria saliva numa crise de hidrofobia. Nas minhas mãos havia sangue que nunca secava e eu nunca poderia limpá-lo, mas ele podia.

Eu e ele. Ele e eu. Nós. Pra sempre nós.

Enquanto eu vivesse, nada tocaria nele.

Seria seu escudo e sua espada...

Pelo menos assim eu queria.

///

— PAULO! PAULO! — eu gritava com toda a força dos meus pulmões.

O rosto dele desaparecia na água da privada enquanto Guto apertava sistematicamente a descarga.

Um de seus amigos — talvez Carlos ou Jonathan, quem sabe? — me jogou na parede e socou meu estômago com força suficiente para me fazer cair no chão tossindo. Com as lágrimas embaçando meus olhos, vi quando um par de pernas passou por mim, largando um corpo que parecia feito de trapo dentro de uma das cabines. Ele pisou na lateral do meu rosto, pressionando-o contra o mictório. Meus óculos caíram no mijo fresco, mas eu nem notei na hora.

O som da descarga ainda ecoava em meus ouvidos.

Aos tropeções me joguei na direção dele, puxando-o para o ar. Com as costas na parede, sentado no chão com cheiro de vandalismo e camisinha usada, eu bati em seu rosto em busca de uma resposta. Os lábios finos dele estavam entreabertos, mas seu peito não subia e descia com o movimento de respiração e expiração.

Eu não sabia o que fazer e houve determinado momento em que os soluços deixaram meu corpo antes que pudesse evitar. Balançando-o como se fosse uma boneca velha, meu desespero aumentava. Soquei seu peito e ele passou a cuspir água como um bebê golfando. Na privada na qual quase fora afogado, ele vomitou toda a água que havia engolido e entre soluços e lágrimas, me explicou que os vermes haviam pego-o por trás.

— Se você não tivesse chegado eu teria morrido. — ele completou um pouco mais calmo, ainda ofegante, no entanto.

Da privada ele se arrastou até mim, me encarando com um horrível olhar de agradecimento e — pior — admiração.

— É a segunda vez que você me salva, sabia? Acho que é meu anjo da guarda particular.

Tremendo, acenei negativamente com a cabeça.

— A culpa por isso ter acontecido é minha. É tudo minha culpa. Que porra... Você podia ter morrido, caralho!

— Calma, Mad... Meu Deus, a sua pele está gelada! Você está suando, está se sentindo...

Agarrei-o pelos ombros com tanta força que mesmo sendo acobreada, sua pele ficou marcada por meus dedos. Com dificuldade, nós fomos nos pondo de pé.

— Você nunca mais vai a lugar nenhum nessa porra de lugar sem mim, tá sacando? Nunca mais! Beber água, mijar... Eu e vocês vamos ser gêmeos siameses.

— Mas as pessoas...!

Fodam-se as pessoas — eu disse bem devagar, apertando mais seus ombros até ouvir um pequeno estalo. Meus dedos ficaram mais brancos ainda contra aquela carne macia. — Eu mesmo vou te matar se me desobedecer. Você não tem o direito de morrer.

Quanto a essa última frase, não tenho completa certeza se pensei ou falei, mas era um fato: eu não ia deixar um bando de filhos da puta tirar a única coisa que me fazia feliz de verdade. Nem que pra isso eu tivesse de morrer.

“Você acha que é um herói, garoto?”, disse uma voz familiar na minha cabeça. “Acha que vai virar o Super-Homem só porque tem algo pelo que lutar? Você continua sendo um enrustido incapaz de ter amor-próprio. Você é repulsivo, não se finja de pistoleiro. Ele te odiaria se não fosse tão idiota a ponto de perceber o veadinho escroto que você é!”

Eu sei, pensei como resposta. Me processe se quiser.

Apoiados um no outro como uma dupla de bêbados, nós nos movemos para a pia baixa do banheiro. Com um restinho de sabonete líquido Paulo limpou seu rosto e cabelo.

— Usa a camisa para se secar, cara.

— Mas se o inspetor me ver todo molhado vai fazer perguntas!

— Eu sei, por isso você vai usar a minha camisa.

— Ah, tá! Se o inspetor te ver sem uniforme vai te matar!

— Não se eu matar ele antes. — respondi dando um sorrisinho sem graça.

Ele não correspondeu. Mordia os lábios, o que indicava que não achava aquela uma boa ideia.

­— Relaxa, eu dou um jeito.

Tirei meu uniforme, ficando apenas com a camisa de estampa do Death Note usada por baixo dele. A blusa do colégio ficou quase três vezes maior no tronco magro de Paulo, o que me fez lembrar de um menininho usando a roupa do pai, mas era melhor que a camisa com gola completamente manchada pela água da privada. Com esta em mãos, fui secando seu cabelo em silêncio.

— Tudo bem?

— Não. Tudo péssimo, mas pelo menos você está vivo. É melhor ir ao médico, essa água pode te deixar doente.

— Estou me sentindo bem.

— Ok. Vai ao médico mesmo assim. E quero ver o atestado.

— Ah, nossa, você é tããão mandão e chato! Às vezes fica parecendo até meu pai e isso é um saco, mas eu até consigo gostar de você, sabe? Acho que...

Eu me agachei de cócoras no chão diante dos óculos jogados no mijo. Solucei e tive de enfiar o punho na boca para não gritar.

///

Ele afundou na piscina. O desespero não tardou a aparecer.

Eu me joguei na direção dele, implorando para salvá-lo. Nunca aprendi a nadar, então parecia que estava engolindo água ao invés de avançar.

Mas eu precisava salvá-lo, não precisava?

Era a única coisa boa na minha vida.

Era a única coisa boa em mim.

— Não acredito que você caiu nessa! — ele exclamou gargalhando quando o puxei para a borda da piscina.

Ele tinha fingido o afogamento.

Lembro claramente da parte rancorosa do meu ser ter desejado que ele tivesse mesmo morrido afogado...

///

— Mad? Mad! Calma, calma... Jesus, não chora pelo amor de Deus!

Como você deve imaginar, a única coisa que consegui fazer foi chorar com mais força ainda.

Eu não podia evitar.

A fraqueza vazar de forma desconcertante nos piores momentos é uma habilidade exclusivamente humana.

Não conseguia entender na época se isso era bom ou ruim.

Na verdade, não sei até hoje.

///

Nós saímos do banheiro ainda apoiados um no outro, dando logo de cara com o inspetor Wagner, um sujeitinho mal-encarado cujo bigode me deixava incomodado pela semelhança com... bem, você sabe. O “cara da suástica”.

— O que aconteceu com seu uniforme, Jacó? — provavelmente ele era o único que me chamava pelo segundo nome. Nem minha mãe o usava.

— Eu... sujei sem querer, inspetor.

— Sujou, é?

— É. Eu... fiz xixi nele sem querer.

O velho deu uma risadinha detestável, exibindo a dentição cheia de próteses de ouro.

— Não sabe mais mirar o pau direito, garoto? — o que ele disse depois foi mais para si mesmo do que pra qualquer um, como se estivesse só pensando alto — Ainda dizem que você é o mais esperto da turma. Até parece que um repetente vai ser esperto. E você aí, Teixeira? Tava ajudando ele a segurar o pau?

— Não, inspetor, a gente só estava...

— Espero que tenham usado camisinha!

Ele mal se afastou dois metros e tornou a falar consigo mesmo:

— Esses moleques são tudo bicha hoje em dia. Jesus nos ajude!

— Desculpe por isso. — Paulo falou em voz baixa, envergonhado.

Tentando não imaginar que tipo de pensamento estava rondando sua cabeça depois da cena ridícula que eu fizera ainda pouco, retruquei:

— Como um depressivo sem amor-próprio estou me lixando. Mas se você quiser se sentir menos culpado pode me pagar um cinema e uma pizza.

Ele finalmente deu uma risada e então meu coração foi solto pela garra gelada que tinha agarrado-o.

— Só pago o cinema se o filme não for de terror.

— Não vou nem discutir dessa vez.

Com o braço passado por sobre meu ombro, ele foi tagarelando até a sala de aula sobre todas as opções disponíveis, os horários, etc.

Você pode até achá-lo imbecil por isso, mas a rapidez com que ele conseguia esquecer as coisas ruins compensava o fato de meus próprios fantasmas andarem sempre costurados na barra da calça.

Esse era outro motivo pelo qual eu o amava.

///

Me sentia meio tenso por estarmos sentados diante da piscina na qual ele fingira se afogar uma vez. Não apenas aquele episódio, como também o da privada me vinham a cabeça e não era nada divertido.

— A gente não devia estar aqui. — falei, esperando que a brisa da noite se encarregasse de levar minha tensão embora. — Se o porteiro ver a gente aqui, estamos fodidos, cara...

— Ele é uma toupeira. Até parece que vai notar que alguém pulou a cerca.

A cerca, naquele caso, tinha um metro, feita de barras de ferro enferrujadas.

— Depois você ainda fica puxando o saco dele, né, interesseiro?

— Eu não puxo o saco dele. O velho é que não consegue resistir a minha simpatia.

Quem consegue?

— Sinto um leve tom de sarcasmo na sua voz? — ele disse batendo com a camisa no meu peito.

Eu? Imagina, cara...

— Às vezes eu sinto vontade de quebrar seu nariz, sabia?

— O sentimento é recíproco, acredite.

Sentados nas espreguiçadeiras, ficamos curtindo o silêncio durante um tempo. Eu sempre tive ideia de como a quietude era mórbida quando ficava sozinho, mas agora que tinha Paulo... Gostava da forma como meu ex-arquiinimigo parecia amigável.

Com um pouco de hesitação, ele procurou iniciar uma nova conversa.

— Então, Mad...

— Que foi?

— Me conta uma história. — eu ainda conseguia me surpreender com a infantilidade dos seus pedidos.

— Tá. Era uma vez, uma vaca Vitória...

— Assim não, porra!

— Então como?

— Inventa uma história pra mim, tio escritor!

— Tô com preguiça. Me dá uma ajudinha, pô. Sobre o que você quer que eu fale?

— Sei lá... sobre tudo!

— Sobre tudo não dá, porra!

— Tá, tá. — ele bufa, cruzando os braços — Fala sobre esse símbolo na sua camisa!

Yin e Yang?

— É. Yin Yang Yo! Tipo aquele desenho...

Sem conter a gargalhada, comentei:

— Na verdade o desenho é que imita o símbolo.

— O que ele significa?

Yin e Yang são como noite e dia, frio e quente, essas coisas...

— Não faz muito sentido.

— Olha, — apontei para o símbolo. Mesmo com a má iluminação vinda da garagem, ainda era possível vê-lo — a parte preta é Yin, o pólo negativo. A parte branca é Yang, o pólo positivo. Como dois imãs que se atraem, os dois vivem juntos.

— Então eles são como o bem e o mal?

— Não. Eles são opostos que se atraem. São as partes necessárias para que haja equilíbrio no mundo. De Yin nasce Yang e de Yang nasce Yin, por isso tem esse pinguinho branco na parte preta e o pinguinho preto na parte branca, sacou?

— Achei que fosse só pra ficar bonitinho.

Foi minha vez de dar um peteleco na orelha dele.

— Boquinha abençoada pra falar merda, hein?!

— Nem todo mundo nasce com a sorte de ser um gênio!

Ele parou, pensou, pensou... e soltou:

— Nós somos como Yin e Yang.

— Será?

— Mesmo não tendo nada a ver um com o outro, estamos aqui, não estamos?

— E a gente por acaso tem escolha, garoto?

Ele me empurrou para o lado, se espremendo para poder dividir a mesma espreguiçadeira que eu. Acomodado e quase me jogando no chão, ele respirou fundo para responder.

— Faz diferença? — falou, me surpreendendo.

— Me diga você, “grande sábio”.

— Talvez estejamos aqui e agora por causa de algum propósito... Tipo estarmos ligados por laços que não podem ser rompidos...

— Carne e unha, alma gêmea, bate o coração, as metades da laranja... — cantarolei recebendo outro tapa.

— Viu só? Mesmo você sendo um imbecil consigo ser seu amigo. Sei lá, ou é destino ou eu sou uma alma mais bondosa do que imaginava.

— Você fala assim, mas sabe que meus problemas psicológicos/emocionais fazem parte do meu charme natural e irresistível.

— Ah, claro... — ele disse, com toques do meu sarcasmo na voz.

— Depois disso pode esquecer a pizza que eu ia pedir!

— Pizza?! De que???

Brigadeiro. Mas agora já era...

Ah não, Mad! — como uma criança pequena ele se agarrou na minha blusa e fez cara de pânico — Eu quero pizzaaaaaa!

— Então é bom levantar sua bundinha magrela daí, moleque. — levantei e saí correndo para o elevador — Quem chegar por último paga o refrigerante!

— Ah, filho da puta! — ele gritou ofegando logo atrás de mim.

Consegui pular a cerca não caindo por pouco, mas ele que vinha logo atrás se desequilibrou e acabou por me levar para o chão. De alguma forma, aquela cena foi incrivelmente engraçada — além de dolorosa, é claro —, então mesmo nos estatelando feito duas jacas podres nós morremos de rir.

Estávamos enxugando lágrimas dos olhos de tanto gargalhar quando o porteiro apareceu apontando uma lanterna para nossos rostos.

— Que é que vocês tão fazendo aí? — ele perguntou meio assustado e surpreso ao mesmo tempo.

Provavelmente nosso barulho chamou a atenção.

— Se você inventar uma desculpa ótima, pago o refrigerante. — sussurrei para Paulo enquanto levantávamos.

— Eu quero Coca-Cola, Yang — falou me dando uma piscadela.

Por dentro eu sorri: é, acho que eu tinha motivos suficientes para amá-lo, não tinha?

///

Não tenha medo, eu levei minha surra, compartilhei o que fiz
Eu sou forte por fora, não através de todo o caminho
Eu nunca fui perfeito, mas você também não
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Então, se você me perguntar, eu quero que você saiba...
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Quando minha hora chegar esqueça os erros que cometi
Ajude-me a deixar pra trás algumas razões que deixem saudades
Não fique ressentido comigo, quando se sentir vazio
Mantenha-me em sua memória, deixe de fora todo o resto
Deixe de fora todo o resto
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Esquecendo completamente o machucado que você aprendeu a esconder tão bem
Fingindo que outra pessoa pode chegar e me salvar de mim mesmo
Eu não posso ser quem você é...

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

I'm back, kids!

Não, Sara não morreu para a (in)felicidade de todos vocês! :P Eu só estive meio afastado, mas retorno aos poucos. Em breve vou escrever novas histórias, continuar as que já tinham sido começadas, só que como já disse vai ser aos poucos MESMO. ^^''' (Não é porque eu quero, acreditem, por mim eu escreveria ao invés de dormir, mas a situação tá meio complicada por enquanto...) Agora, pra compensar todo mundo que morreu de saudades do meu jeito singular de escrever (AH VÁ! XD) eu deixo esse texto (que não é meu, só betei - hein?). ^^''' Não me matem (agora), por favor.
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MENINOS NÃO GOSTAM DE ROSA

(Pedro Tavares)

Eu não queria levantar e ir pra escola. Por mim, podia ficar deitado naquela cama pra todo e todo SEMPRE. Mas fazer o que, né? Não sou eu quem pago as minhas contas... E lá fui eu me despencar de casa pra escola — saco!!!.

A recepção foi até diferente, mas não me surpreendeu. A diretora usava um terno feminino lilás de poliéster que era a coisa mais linda do mundo todo, mesmo eu preferindo roupas mais ousadas. Como minha matrícula tinha sido feita muito em cima da hora, me “jogaram” na sala ao lado da 801-A(ngelical), ou seja a sala 801-B(rutamontes).

Todo mundo parou de falar quando eu cheguei e suas caras faziam eu me sentir um ET — queria saber o problema deles, parecia até que nunca tinham visto uma calça stretch (para os leigos, esse é o sinônimo de “lycra”). Só teve UM garoto que não me encarou. E era dele que eu não conseguia tirar os olhos.

O rosto, com queixo redondo e pele branquinha parecia o de um anjinho. Lábios pequenos e grossos, rosadinhos. Cabelo escuro, comprido e liso. Sobrancelhas expressivas da cor do cabelo. Olhar másculo, indiferente ao mesmo tempo em que raivoso. Dedos com calos, algumas finas cicatrizes e anéis. Ele também usava um tipo estranho de luva que cobria o meio da palma da mão até um pouco abaixo do pulso. Eu podia morrer encarando-o e não ia sentir nada...

Como se ouvisse as minhas preces, a professora de ciências me mandou sentar bem ao lado dele. A alegria foi tanta que nem escutei seu nome direito. Alisei meu uniforme e conferi o hálito rapidamente. Tá, eu sei que meio segundo não conta como “achar seu amor verdadeiro”, mas será que não entra nem na lista da “paixão fulminante e avassaladora”? Ou até mesmo de... “amor a primeira vista”?

Sentei do seu lado, tão pertinho que podia sentir o desodorante masculino que ele usava. O cheiro era maravilhoso. Suava, suava em bicas, desejando me aproximar e tocar aquele cabelo que aparentava ter a textura mais macia do mundo.

Então ele olhou pra mim.

Não, você não entende. Ele não apenas me olhou. Ele... ele atirou uma flecha enfeitiçada em mim! Em super-supermega câmera lenta... ele moveu a cabeça para o lado e disse:

— Você tem o livro de ciências?

O deslizar de seu cabelo para a frente do rosto. A força dos seus olhos escuros atrás dos óculos grandes e quadrados (antiquados também)... Ainda que a frase não fosse um “você é maravilhoso, quer ser meu namorado?”, eu estava entrando em coma alcoólico — sem nem ter derramado uma gota!

— Meu nome é Paulo.

Rezei pra ele não notar que eu fiquei sem fôlego. Meu Jesus, que boca mais perfeita... EU QUERO MORDER!!!

— Eu sei. — ah, não! Ele deve achar que eu sou retardado! — A diretora acabou de dizer.

— É?

— Você tem ou não tem o livro, cara?

Jesus, Jesus... Paulo, se controla, meu filho! Ele nem é tããão bonito assim! Olha as mãos cheias de machucados e essa camisa xadrez social super sexy que ele usa dobrada até o cotovelo e esse jeito tão típico de homem de sentar com as pernas abertas como se o pau fosse do tamanho do mundo... Ah, meu Deus!!! Eu queria agarrá-lo mesmo estando na cara que ele era um grosso — mas... em qual sentido mesmo, hein? (brincadeirinha!)

— Não. Você pode me emprestar?

Ele olhou pra frente e fez uma cara que parecia dizer que queria estar em qualquer outro lugar do mundo (talvez numa sessão de sadomasoquismo com gente vestida de Teletubie e Xuxa), menos ali. Ao juntar as carteiras eu praticamente me “joguei” em cima daquele Leonardo di Caprio adolescente.

Ele falava pouco e parecia tão concentrado que podia se passar facilmente por um cara de vinte mesmo aos doze. Sim, eu estava completamente de quatro para aquele deus grego... Mas pela forma como me encarava eu achava que uma barata podia ter sentado do lado dele que ele a encararia da mesma forma. Talvez ele fosse racista... mesmo que minha pele não fosse tão escura quanto a da minha mãe, aquela não seria a primeira vez. Tão branquinho... os pais dele só podiam ser de alguma colônia alemã do sul!

No recreio não me sentei com Matheus (que nome mais perfeito...), até porque ele ficava na sala, anotando algo em seu caderno — observação: sentindo inveja do caderno por ter a atenção dele. Ao invés disso, conversei com umas garotas que pareciam ter saído do filme “Garotas Mimadas”.

— Sorte a sua ter sentado do lado do nerd! Ele é o mais inteligente da escola.

— Mas as aulas nem começaram direito...

— Ah, ele já estuda aqui alguns anos. É repetente.

Tá, ela falou como se aquilo fosse um crime! E daí se ele fosse só um aninho mais velho que eu?

— Ele tem catorze anos. — a garota continuou de um jeito que me fez pensar se ela não estava caída por ele como... eu.

Ok, dois anos mais velho. E daí? Ele não deixava de ser um gostosão!

— Mas como um cara tão inteligente pode ser repetente por duas vezes?!

— Mistérios da vida, queridinho!

— Ele tem namorada?

— Tem, só que não sabe ainda.

As garotas riram. Eu não vi graça nenhuma.

— E ela seria você?

Geovanna era loira de farmácia e não tinha nem peito, nem bunda. As minhas pernas eram mais grossas que as dela! Até parece que uma gracinha feito o “Matheus Maravilhoso” ia querer uma periguetizinha de quinta!

— Claro que sim! Mas ele é tímido, sabe?

— Que nada! — essa era a Bárbara, baixinha e gordinha. Ainda assim seus olhos verdes eram um encanto! — Dizem que ele usa drogas da pesada. E que tem até filho pequeno! Chave de cadeia, amigas!

— Mentira! — Geovanna jogou seu aplique mal-feito pra trás se achando A própria Ashley Tisdale. — Ele tem uma pegada de tirar o fôlego...

— Você já beijou ele?!?

Imaginar aquela boquinha carnuda e perfeita dando um desentupidor de pia naquela despeitada quase jogou a minha auto-estima na fossa...

Ninguém nunca beijou ele! — Bárbara se manifestou de novo. Ela olhou para os lados e baixou o tom de voz — Dizem que ele é veado.

— Veado?

Ok, minha auto-estima está do tamanho das Torres Gêmeas — uma empilhada em cima da outra!

— Nem adianta ficar feliz, Paulinho. O Matheus não é gay.

— Como você sabe? Já deu um beijo nele por acaso?

— Simples: ele nunca desmunhecou.

— Bem... ele pode ser discreto, só isso.

Apesar de tentar me “enganar” eu senti como se Geovanna tivesse lançado um milhão de aviões e as minhas torres ruíram até virar pó.

— Bom, você não é discreto, é?

Isso foi jogo sujo, sua vaca! Falar de mim não vale...

Certo, eu sou do tipo “bicha espalhafatosa”, mas poxa... ela precisava jogar isso na minha cara ?

Na sala de aula nem tive ânimo para continuar secando “Matheus Maravilhoso”: toda vez que eu o olhava ele parecia mais homem do que qualquer outro homem. Até a forma como coçava o queixo usando a ponta das unhas era típica de homem que começou a fazer a barba!

Ah, Jesus... Não era a primeira vez que eu ficava gamado por um hétero, mas... nossa... Matheus era tão... diferente. Eu ser masoquista e ele ter olhos tão infelizes e assustados (ainda que com algo de violentos) provavelmente contribuiu para o começo da paixão platônica que passou a me dominar.

Ele parecia tão sozinho. Não seria nenhum pecado tentar ser seu amigo, seria? Eu tinha esperanças doentias de que ele um dia revelasse ser do lado rosa da força, mas também estava pronto para ser ridicularizado e tomar um belo fora, como havia acontecido com meu mais recente amor...

Mas eu não podia evitar.

Eu queria. Eu precisava.

///

Okay, boys and girls!

Esse aí foi o texto do Pedro Tavares que depois de ter decidido vagabundear pela vida, virou escritor! (calma, brincadeirinha! XD) Qualquer semelhança com a MINHA história "Como Nascem os Sonhos"... cof cof não é cof cof cof mera coincidência cof cof cof cof...

Toda história tem dois lados, né? ^^'''''' Bem diferentes, por sinal...