segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O Canto da Lua Cheia - Parte IV

Will, a contragosto, largou de qualquer jeito Tomas no meio do lugar em que a perua estacionara. Tratava-se de uma parte da floresta que ficava à beira de um abismo. O mato fora cuidadosamente removido pela chuva e a só restara um monte de terra vermelha erodida.

Tomas estava jogado desacordado em uma posição que na certa não faria bem para seu pescoço, mas era assim que tinha de ser. O jovem negro tirou o boné e limpou o suor que escorria por sua testa, olhando ao redor à procura de Pedro. Quando o encontrou, encostado na frente da perua, fumando um cigarro, disse:

— Divide aí um cigarrinho com seu parceiro, cara!

Recostando-se ao lado do loiro, ele recebeu o Camel e aspirou um pouco da fumaça, soltando-a enquanto sentia a nicotina mandada para seu cérebro aliviar a tensão em seus músculos.

— Você acha que... — começou, mas foi interrompido pelo outro.

— Se eu acho que o que o Neo falou tem sentido?

— É.

— Infelizmente, cara, o Neo nunca errou numa “previsão”.

— Qual é! Ele só consegue ver fragmentos, pedaços! Isso não quer dizer que...

— Olha, Will, eu nunca vi ninguém como o Tomas tá legal? Ele... já olhou bem pra ele? Digo, analisou mesmo?

— Do que cê tá falando?

— Ele não tem uma aparência normal, Will. Concorda?

— É, mas...

— Cara, ele é alto feito o godizilla, o king Kong ou porra parecida. É branco feito um albino. A pele dele é gelada pra caralho!

— Até o Lovecraft sofria disso! É uma doença...

— Talvez o Lovecraft também fosse como o Tom.

— E o que exatamente ele é, Pedro?

— Alguma coisa muito poderosa. E principalmente, perigosa. Will, ele já é transformado.

— O QUÊ?!

— O Ritual essa noite... ele só vai completar a transformação. Cara... A aparência do Tomas é metade do que ele é realmente.

— Conclua o que você quis dizer com isso.

— O que eu quero dizer é que, o que quer que o Tomas vá se transformar hoje... Não é seguro.

— Então o que vamos fazer?

Pedro deu um tempo. Pegou o cigarro das mãos de Will e fumou. Mandou anéis de fumaça para o ar puro.

— Vamos ter que dar um jeito nele — respondeu simplesmente.

— Ele é nosso amigo.

— Eu sei, cara. Mas é por isso mesmo que temos de fazer isso. Ou você prefere que sejam os tiras, hum? É provável que eles o prendam em uma gaiola e um caipira chamado “Odorilson” dê uma porra duma entrevista no Discovery Chanel praquele programa em que só aparecem coisas tipo “Chupa-cabras” e “O E.T. de Varginha”.

Os dois ficaram em silêncio. Tina e Cristal surgiram da mata. Tina abraçou compreensivamente o rapaz negro. Este fungou e olhou para Jonas, que acabara de chegar junto com as meninas.

— Não tem outro jeito, não é? — questionou amargamente.

— Não — Jon falou. Havia dor em sua voz. — Não tem jeito, cara.

— Então vamos fazer. Logo depois que ele completar o Ritual. A gente vai fazer. — e então calou-se, contemplando o melhor amigo estirado no chão. “Foi bom te conhecer, cara.”

— É uma pena que eu não tenha estado lá enquanto ele ainda estava consciente — Jonas lamentava-se enquanto todos formavam um círculo em torno de Tomas e o erguiam por braços e pernas para movê-lo mais adiante. — Não consegui nem me despedir.

— Talvez ele acorde... — Neo disse de forma otimista, parado ao lado de Gaby.

Isso não aconteceu, vou logo avisando.

__***__

Negro. Negro. Negro...

Toda essa porra de lugar é escuro... Escuro demais, não vejo nem as minhas mãos.

Espera, não são as minhas mãos. São garras... Droga, pessoal, me tirem daqui!

Ei, quem é você? Não, o que pensa que está fazendo com essa arma?

Abaixa isso! ABAIXA ISSO JÁ!

Não... Não, não, não. NÃO, PORRA!...

__***__

— Ele parece inquieto — Cristal comentou enquanto pintava linhas de aparência tribal no rosto de Tomas. Já pintara por todo seu peito musculoso que agora parecia coberto por uma teia de aranha vermelha e gigante.

— Isso é normal. Espasmos involuntários enquanto a transformação começa a acontecer... — disse Pedro e completou mentalmente: “Ou então começa a se completar”, mas não ousou repetir tais palavras. Todos já estavam abalados demais. Principalmente Will.

— Will — chamou cutucando-o pelo ombro. Ele estava sentado no banco do carona da perua.

— Que foi?

— O pai do Tomas. Onde é que o velho tá?

Fechando os olhos por breves segundos (apesar de ser novo no ramo, o garoto era dos bons, “rápido no gatilho”) ele relaxou o rosto e então tornou a contraí-lo. Encarou Pedro e respondeu.

— Está vindo pra cá.

— Como ele sabe que estamos aqui?

— Clarividência é com o Neo, Pedro, mas tenho a suposição de que os não-transformos não sejam tão livres de “habilidades especiais” quanto os transmorfos.

— Maravilha...

Ele certamente teria dito outra palavra se soubesse que Mia estava acompanhando o velho.

Não me pergunte como, mas Will não pressentiu a presença dela. Talvez porque ela tenha tido algo de especial... Exatamente como Tomas sempre achou.

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