sábado, 17 de abril de 2010

Nada de sonhos: Apresento-lhe seu pesadelo de férias

ATENÇÃO! O texto à seguir contém alguns spoilers do livro e expressam exclusivamente a opinião de quem o escreveu (Sara J.T.)
Confesso que sou fã incondicional de Stephen King. O sujeito é um gênio da literatura, um fenômeno do terror, um "rei" como seu próprio sobrenome diz... Agora, porém, encerrando o momento tiete, é chegada a hora de falar do seu terceiro livro publicado na carreira, sendo aquele que concedeu-lhe a sonhada fama: "O Iluminado".


A história contada por ele é a da família Torrance que muda-se para o Hotel Overlook depois que o patriarca, Jack Torrance, arranja o emprego de zelador nele. O zelador anterior a Jack havia matado a esposa e as duas filhas, depois suicidado-se, mas mesmo assim, o bom e velho Torrance não desistiu da proposta de emprego, pois precisava arrumar um jeito de sustentar a família e havia jeito melhor que aquele? Ficar em um hotel imenso, luxuoso, sombrio e palco assassinatos e cenas bizarras envolvendo a psiquê humana perturbada, por... digamos... meses à fio, perdendo o contato com a civilização completamente quando a neve caísse com força total? Apenas ele, a mulher, o filho e... o Hotel.

É extremamente desconfortável a forma como Jack Torrance parece real quando somos guiados pelos pensamentos obscuros em sua mente - na maioria das vezes voltados para A Coisa Feia (como Danny, o filho, chama, que trata-se de Jack beber até cair). King admitiu que a inspiração para criar Jack foi ele mesmo e sim, pode-se sentir isso na leitura do livro. A vontade insana e persistente do personagem em relação a seu vício é torturante, chegando ao ponto de que em momentos da narrativa quase imploramos para que, pelo amor de deus!, "beba logo, maldito Torrance e acabe com isso de uma vez". O que não trata-se de um pensamento muito respeitável. Jack é a personificação daquilo que somos quando deixamo-nos render pelos desejos, pelas vontades impulsivas ("estou vendo um marciano"), um retrato da auto-destruição que o narrador descreve (por quê não?) com certo desprezo, pois é fraco.

Wendy, a esposa de Jack, também trata-se de uma mente com suas neuroses e fobias, entre elas a de acabar como a mãe, uma velha ranzinza que vive de destruir sua auto-estima culpando-a pela morte do pai - com quem sempre teve um forte laço de carinho, exatamente como seu filho tem com o marido. Hesitante, está sempre tentando proteger Danny do pai, sempre desconfiando de Jack e auto-condenando-se por estar agindo como a mãe ao acreditar que Jack rouba o filho dela. Oh, sim, Wendy acha que é desprezada pelo filho, que prefere muito mais o pai que um dia quebrou seu braço...

E, finalmente, chegamos a Danny, a cereja do bolo da história. Danny, o menino Iluminado a quem o título refere-se, tem o poder de ver o futuro e ler a mente das pessoas. Delicado, ele conquista a maior parte das pessoas com quem conversa e o leitor acaba sendo envolvido por seu "véu", seduzido pela criança frágil que descobre as coisas antes do seu devido tempo.

O próprio Overlook acaba "seduzido" por Danny e por suas habilidades de Iluminado, e assim, usando Jack como mediador, tenta a todo custo fazer com que o menino seja dele para sempre.

Interpretando a história de King, a coisa ficaria mais ou menos assim: Jack seria o fraco, o personagem que por suas "falhas de caráter" acaba sendo escolhido como Judas, como aquele que entregará o próprio filho nas mãos do Overlook, retrato de um mundo cruel, sem noção de moral ou piedade, que quer a todo custo satisfazer o próprio desejo pessoal ao trazer para si o menino iluminado, Danny, ser puro e que, definitivamente, não tem noção da força de seus poderes, e que aceita ser sacrificado se isso significa salvar a família. O menino por sua vez, é protegido pela mãe, Wendy, seu anjo da guarda que tentará defendê-lo de entidades malignas mais poderosas do que ela (exatamente como a maioria das mães faz com os filhos na vida real, não acham?). E em meio a tudo isso, surge Dick Halloram, o cozinheiro bem-humorado do hotel que é Iluminado como Danny (só que um pouco menos, não a ponto de despertar o interesse do Overlook) e cria um laço forte com ele na primeira vez em que se veem. Ele é um dos meus personagens favoritos e que lembra-me estranhamente do Pistoleiro Roland de "A Torre Negra" (cuja resenha eu colocarei aqui quando tiver lido todos os livros. Nota: já estou no quinto livro).

Durante toda a narrativa somos apresentados a uma realidade dura, mas inquestionável: Jack Torrance, escritor e professor (afastado depois de ter agredido seriamente um aluno), graças ao Overlook ("esse lugar desumano cria monstros humanos"), é encaminhado passo à passo para sua auto-destruição lenta e degradante, sem escapatória, pois Jack é, simplesmente, fraco demais para resistir. Wendy e Danny a príncipio também deixam-se levar na direção do mesmo abismo que o marido/pai (principalmente no caso do menino, que nutre um amor incondicional e cego por Jack, idependente do que ele lhe faça, exatamente como o mesmo fazia pelo próprio pai - também alcóolotra - quando era criança), até que a mãe, desperta para o que realmente está acontecendo, revolta-se e passa a atrair a fúria do hotel sobre si quando resolve proteger sua cria. E cada vez mais, conforme a narrativa se desenrola, somos levados a cair fundo do olho do furacão, sem chance de retornar... Somos perseguidos por fantasmas de suícidas e arbustos com tendências psicopatas que pretendem tanto enlouquecer-nos quanto atingir-nos bem no peito um milhão de vezes até que, por fim, deixemos de ser humanos e passemos a ser parte do grande e amaldiçoado Overlook.

No final do livro, nos é deixada a seguinte questão: O mundo não nos odeia, mas também não nos ama. As únicas pessoas que nos amam são aquelas que se importam conosco - e que geralmente são aquelas com quem nos importamos também - e serão apenas elas que nos protegerão enquanto frágeis e quebradiços do mundo que quer esmagar-nos com um punho violento - por que esse (quase sempre) foi o seu modo de agir, sejamos bons ou maus.

E por mais que digamos que as pessoas boazinhas sempre vencem no final, às vezes somos surpreendidos e levados a caminhos nem um pouco agradáveis, que nos deixam cicatrizes e momentos de auto-flagelação mental, onde nos culpamos por sermos coisas que simplesmente não conseguimos evitar ser.

Admito, esse não é meu livro preferido de King, mas com toda certeza trata-se de um brilhante clássico. Principalmente pela "dissecação" psicológica a que todos os personagens da trama (inclusive, pode-se considerar que é feita até uma dissecação do próprio Overlook, que inegavelmente tem vida própria) são submetidos e também pelas citações do conto "A Máscara da Morte Rubra" de Edgar A. Poe, um dos meus contos preferidos por seu clima claustrofóbico e repleto de suspense - exatamente como essa história.

Recomendo a leitura e espero que tenham gostado desse primeiro post.
Se você não gostou da resenha, então aqui vai a sinopse original do livro:
Danny Torrance não é um menino comum. Danny é capaz de ouvir pensamentos. Ele pode transportar-se no tempo e olhar o passado e o futuro. Danny é um iluminado. Maldição ou benção? A resposta pode estar guardada na imponência assustadora do hotel Overlook. Quando Jack Torrance consegue o emprego de zelador do velho hotel, todos os problemas da família parecem estar solucionados. Não mais o desemprego e as noites de bebedeiras. Não mais o sofrimento da esposa, Wendy. Tranquilidade e ar puro para o pequeno Danny livrar-se de vez das convulsões que assustam a família. Só que Overlook não é um hotel comum. O tempo esqueceu de enterrar velhos ódios, cicatrizar antigas feridas. O Overlook é uma chaga aberta de ressentimento e desejo de vingança. O Overlook é uma sentença de morte e quer Danny, e precisa dos poderes de Danny para chegar ao fim. A luta assustadora entre dois mundos. Um menino e a ânsia assassina de poderosas forças malígnas. Uma família refém do mal. Nesta guerra sem testemunhas, vencerá o mais forte.
Uma coisa que eu queria acrescentar nesse post é a qualidade das sinopses brasileiras. A de "O Iluminado" está perfeita, mas quando li "A Zona Morta" realmente fiquei decepcionado e aqueles que leram o livro sabem do que estou falando - a menos que eu seja a única pessoa a ter ficado indignada com o fato da editora ter adiantado na sinopse um fato que ocorre umas 50 páginas antes do livro terminar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário